Introdução ao Georgismo: Por uma economia humana!

Pablo Canovas
27 min readJul 24, 2019

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1 — DA IDEIA DO PRESENTE ARTIGO:

O liberalismo é crescente em toda academia. Cada vez mais é procurado pensadores como Friedrich Hayek e Adam Smith para iluminarem o caminho para a prosperidade de nossas nações. Porém, dentre estes que estão ingressando no estudo deste sistema econômico e jurídico, alguns acabam por desistir por medo de uma sociedade estruturalmente destruída por crises do capital.

Henry George, um liberal ricardiano do século XIX que viveu durante a longa depressão (descrita como a primeira grande crise internacional), observou um constante paradoxo que assolou a América em seu tempo, o paradoxo da progresso-pobreza, como ele descreve em seu documento Paradox of Capitalist Growth:

“Could man of the last century — a Franklin or a Priestly — have seen, in a vision of the future […] could he have realized the enormous saving of labor resulting from improved facilities of exchange and communication — sheep killed in Australia eaten fresh in England. And the order given by the London banker in the afternoon executed in San Francisco in the morning of the same day […] He would have seen arising as necessary sequences, moral conditions realizing the golden age of which mankind has always dreamed. Youth no longer stunted and starved; age no longer harried by avarice; the child at play with the tiger; the man with the muck-rake drinking in the glory of the stars. Foul things fled, fierce things tame; discord turned to harmony! For how could there be greed where all had enough? How could the vice, the crime, the ignorance, the brutality, that spring from poverty and fear of poverty, exist where poverty had vanished? Who should crouch where all were freemen; who oppress where all were peers?
[…] And, unpleasant as it may be to admit it, it is at last becoming evident that the enormous increase in productive power which has marked the present century and is still going on with accelerating ratio, has no tendency to extirpate poverty or lighten the burdens of those compelled to toil. It simply widens the gulf between Dives and Lazarus, and makes the struggle for existence more intense. The march of invention has clothed mankind with powers of which a century ago the boldest imagination could not have dreamed. But in factories where labor-saving machinery has reached its most wonderful development, little children are at work; wherever the new forces are anything like fully utilized, large classes are maintained by charity or live on the verge of recourse to it; amid the greatest accumulations of wealth, men die of starvation, and puny infants suckle dry breasts; while everywhere the greed of gain, the worship of wealth, shows the force of the fear of want. The promised land flies before us like the mirage. The fruits of the tree of knowledge turn as we grasp them to apples of Sodom that crumble at the touch […] This association of poverty with progress is the great enigma of our times.”

Esse paradoxo assolou toda economia, fez de alguns se tornarem contra o capitalismo e a liberdade, fez de outros defenderem sociedades distópicas, anárquicas e ditatoriais. Aqui e acolá há quem defenda e quem odeie o capitalismo, há quem quer remediá-lo e há quem quer destruí-lo. Henry George não descarta o capitalismo, nem quer dar um remédio amargo, mas quer prevenir os seus problemas logo em sua gênese (e isso não é justamente o fim do capitalismo como alguns pensam), afinal, é melhor prevenir do que remediar.

Este artigo tem sua origem na união dos ideais de alguns economistas que pretendem resgatar a tradição georgista de reforma fiscal e os “real-estate cycle”, com o liberalismo austríaco e o “business cycle”, criando o que Fred Foldvary chama de “geo-austriac synthesis” (síntese geo-austríaca) que existe desde os economistas austríacos como Yeager e georgistas como Gaffney ou até mesmo economistas que já se denominam geo-austriacos como o supracitado Foldvary.

Me ocuparei de mostrar que o georgismo nada mais é que o liberalismo em seu estado mais humanizado. O liberalismo que se preocupará não só com as análises econômicas e sociais, mas também, com aquilo que é fundamental e anterior às análises econômicas e sociais, aquilo que permitiu o crescimento econômico e social: a terra em que o homem está!

2 — DO HOMEM COMO ANIMAL TERRESTRE:

Isso é um ponto aparentemente obvio, mas o homem, sem a terra, não seria nada do que ele é. Nada poderia ser feito pelo e para o homem se não fosse pela terra, desde a mais primitiva ocupação de um espaço, a que chamamos de nascimento, até o dia de sua morte.

O filósofo P.M.S Hacker mostra logo no começo de sua obra sobre a natureza humana que, mesmo que implicitamente, todas as qualidades do homem enquanto ser dependem do fato dele estar sobre a terra e usar seus frutos. O filósofo nos diz que o homem é primitivamente um continuante espaço-temporal, que segue seu traçado no espaço por meio do tempo, assim como objetos inanimados, localizados e moventes, deixam um rastro sobre a terra desde o seu surgimento até seu desaparecimento. É também um ser vivo que subsiste, então ao contrário de meros objetos sem vida, precisamos de matéria para metabolizar e sobreviver, de tal forma que é necessário estar sobre uma terra que ofereça, ou ao menos disponha potencialmente [e.g., para a caça], alimentos e meios de subsistência que servem de energia para todos os atos do corpo do homem. O homem, embora vivo, não é dotado de qualquer tipo de vida. É dotado de uma vida sensível, que o permite agir distintamente de uma planta por exemplo, pois o homem ao contrário da planta, muito embora seja movido por outro no princípio (sempre iniciado pelo mundo material e alavancado pela vontade), consegue mover por si mesmo no trajeto e no fim, ao contrário da planta. Isto é, embora os animais sensíveis sejam “chamados” pelo instinto, podem não fazer ou fazer menos que este chamado por meio de seus mecanismos motores, ao contrário de planta, que quando “chamada” pela luz, por exemplo, o tropismo age no trajeto e no fim do movimento sem qualquer margem de erro, em consonância com o estimulo. E por fim, o homem possui o intelecto, que o distingue de todo outro ser na terra, pois é este que muda todas estas características não somente compartilhadas entre outros animais, mas sim, características de uma forma propriamente humana, compartilhada fenomenicamente [i.e., publicamente; intersubjetivamente] entre outros homens. Onde o movimento no espaço-tempo não é tão só um mero rastro, mas é em fato visado por intenções e capaz de mudar o mundo em que o homem vive; o homem não é movido apenas por estímulos e instintos, mas sim, o homem resolve conflitos não só por instinto, mas por um arcabouço conceitual prévio que o permite entender problemas e imaginar intencionalmente resoluções. O homem, por fim, é capaz de dar forma a esta substância que chamamos de mundo.

Em suma, em toda natureza humana se tem a presença da terra como condição primordial de todo progresso da vida. Até mesmo a evolução intelectual do homem permitiu-nos a não mais adquirir comida por meio da caça e de frutas disponíveis, mas permitiu a produção de comida de forma intencional sobre a terra e caças mais sofisticadas com armas e emboscadas. O homem não é tão somente um animal político como dizia Aristóteles mas é também um animal terrestre. Não no sentido comum, mas no sentido que ele deve ter o direito à terra para ter plena satisfação de potências e necessidades naturais, e é a própria relação pacífica com a terra que nos faz sermos políticos.

Alguns objetaram no início dos escritos de Henry George da seguinte forma: “Mas nem todos querem a terra! Não pode ser um direito algo que não é de consenso e vontade de todos.”

George responde: “Não há um, nenhum sequer, que não queira uma terra!” Pelo simples motivo de que, sem terra, não haveria direito de ninguém a nada, e é obvio que um mundo sem direitos para uns não há deveres para outros e, assim sendo, não há, por exemplo, o dever de não roubar onde não há o direito de uma pessoa a ter livre acesso a uma terra e propriedade sobre os frutos de seu trabalho sobre ela. É a ação sobre a terra por meio de trabalho que nos dá seus produtos, suas riquezas e, é claro, nossas propriedades.

Como bem diz Henry George na sua carta em resposta à encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII:

“For refusal to take for public purposes the increasing values that attach to land with social growth is to necessitate the getting of public revenues by taxes that lessen production, distort distribution and corrupt society. It is to leave some to take what justly belongs to all; it is to forego the only means by which it is possible in an advanced civilization to combine the security of possession that is necessary to improvement with the equality of natural opportunity that is the most important of all natural rights. It is thus at the basis of all social life to set up an unjust inequality between man and man, compelling some to pay others for the privilege of living, for the chance of working, for the advantages of civilization, for the gifts of their God.”

3 — AS CATEGORIAS: ENTRE TERRA E RIQUEZA

Henry George identifica apenas duas categorias entre toda a produção: a terra em si mesma e os produtos dela, as riquezas¹, que o trabalho fez em uma finalidade moldadora.

A riqueza é tudo aquilo que, por meio da terra e de forças naturais foi erguida pelo trabalho humano segundo as finalidades desejadas, isto é, ela é posterior a um homem já evoluído, já a terra é justamente o aspecto necessário para toda existência do homem, e este último por sua vez, em razão de sua capacidade intelectiva, gera a riqueza. George afirma que para a produção de riqueza é necessário como aspecto fundador o contato com a terra, que é a fonte de toda riqueza, é dela que todo produto vem, até mesmo produtos digitais que não existiriam sem servidores ou hardwares, que ocupam espaço em uma terra e que eles em si mesmos para serem produzidos, necessitaram de terras.
Riqueza é, portanto, tudo aquilo cuja causa secundaria é a terra e causa primária é o homem e sua ação. Possuem graus de mobilidade e um número indeterminado de riquezas podem ser produzidas.

Terra por outro lado, é tudo aquilo cuja existência independe do homem, embora ela possa sim ser moldada por homens para fins humanos. Ela possui uma quantidade determinada e extensão específica, não podem ser produzidas mais do que a que já existem e claramente não podem sair se mover, já que são o próprio espaço do qual se move sobre.

“In producing wealth, labor, with the aid of natural forces, but works up, into the forms desired, pre-existing matter, and, to produce wealth, must, therefore, have access to this matter and to these forces — that is to say, to land. The land is the source of all wealth. It is the mine from which must be drawn the ore that labor fashions. It is the substance to which labor gives the form” (GEORGE, Henry; 1879)

Até mesmo hoje, em uma economia mais sofisticada que transforma todo tipo de riqueza em algum tipo de capital líquido, a terra ainda tem um lugar único e central, que é a fundação de toda ação produtiva. Pode ser modificada, é claro, mas nunca criada ou destruída, a não ser em pequenos remendos.

A terra é o fator completamente passivo (enquanto o trabalho e o bens de capital, de primeira e alta ordem, são ativos). Ela somente possibilita todo movimento humano, onde ele pode construir, minerar, fabricar e colher seus frutos.

Isto não é como categorização materialista da realidade como fazem os marxistas ao afirmarem o primado da matéria. Mas é tão somente uma afirmação simples e óbvia (e que por ser tão óbvia iludiu estes materialistas) de que: sem terra, o homem não poderia evoluir e produzir riquezas, sem afirmações metafísicas e epistemológicas sobre a natureza dessa dependência, mas simplesmente como uma condicional. E em razão do homem ser claramente um animal terrestre, quando está numa terra e ele não tem direitos sobre esta terra, acaba por estar sujeito a vontade daquele que tem. Não afirmamos nenhuma atividade ou movimento da matéria, mas somente, afirmamos que a terra nos permite ser o que somos. Esta permissão, nada mais é que uma concessão de materialidade ao ato do homem (assim é como Tomás de Aquino define permissão), e isso não garante nenhuma potência ativa à terra, mas uma passividade, de poder fazer algo sobre ela.

4 — O TRABALHO, O CAPITAL E A TERRA:

O economista das terras seguindo uma tradição clássica identifica três fatores na produção na produção, a saber: a terra e seus recursos (como oportunidade natural); o trabalho (como toda forma de esforço humano, tanto físico como mental); e o capital (ou bens de alta ordem, nada mais é que a riqueza sendo usadas para produzir mais riqueza). Dentre estas, o trabalho é a primeira força ativa, é da sua aplicação aos recursos dispostos na terra, que tudo que é tangível a ser produzido, processado e transportado pelo homem. O capital por outro lado pode ser identificado como um fator separado da produção, é em verdade, o produto do trabalho anteriormente realizado que não foi diretamente consumido, mas poupado para uso futuro. As formas assumidas pelo capital são várias, como o maquinário, estoques de mercadoria, armazéns, melhores meios de transporte, fundos de investimentos e tudo o mais.

A produção de riqueza está completa pela combinação do trabalho e do capital na terra. Mas este terceiro fator, enquanto indispensável para todo esforço humano é, como já mostramos, inteiramente passivo na produção, tendo o espaço tão somente de dispor possibilidades de progresso.

Isso seria dizer que os resultados da produção ao serem distribuídos entre os fatores, só irão para o fator da mão de obra e do capital?

Muito embora só o trabalho e o capital participam do processo ativo, a renda deve ser dividida entre os três compartimentos: os salários para o trabalho, o lucro do capital e o aluguel da terra. Este último não participa da produção, mas é pago ao landowner¹ o direito de se trabalhar na terra que é dele. Em última instância é o landowner que controla a base física da produção, e é somente após a reivindicação do aluguel é satisfeito que o restante da produção é distribuído para os interesses do capital e os salários.

Na medida que o custo de estar sobre a terra aumenta, o tributo pago ao detentor do título desta terra também aumenta, fazendo com que os ganhos esperados de algum improvement tecnológico e produtivo diminuam, assim George nos diz:

“[…] hence, no matter what be the increase in productive power, if the increase in rent keeps pace with it, neither wages nor interest can increase” (GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p.171)

Ao menos que investimento na tecnologia seja tão alto que ultrapasse o preço do aluguel, a produtividade nunca terá maiores benefícios e estará sempre com este defeito fundamental que é a má distribuição de renda entre os setores da produção. Os detentores de terras possuem um privilégio garantido de ter seu benefício anterior aos benefícios da produção (pois para produzir, se precisa de terra) e também é garantido a eles benefícios maiores que os da produção, pois ao preço do aluguel aumentar, acaba por diminuir os lucros do resto da produção.

5 — VALOR DA TERRA COMO CRIAÇÃO SOCIAL:

Falamos tanto aqui do valor da terra, mas afinal, o que causa a valoração da terra?

O valor de uma terra nada mais é que um valor resultante do crescimento e desenvolvimento da comunidade. Sem uma comunidade que ocupe, cultive e produza em alguma área, não há valor nesta área. O tanto que uma comunidade cresce e prospera, expande os serviços públicos, abre seus mercados.

Desta forma, o valor de uma terra aumenta sem o landowner mover sequer um dedo! Sem qualquer gasto além da própria aquisição da terra, esta aumenta sua demanda pelo simples fato de se ter obras e serviços públicos. Na medida que a sociedade fica mais complexa, na medida que a população aumenta, tecnologia avança, governos federais, estaduais e locais investem em infraestrutura, educação, hospitais, livrarias, transporte público, ferrovias e aeroportos, sempre, como causa necessária e eficiente, ocorrerá um aumento no valor da terra. Aquele que tem uma terra bem localizada ganha o maior benefício.

O especulador enxerga em uma população crescente uma pista, que leva para uma demanda maior por propriedade em todas suas formas, seja casas, lojas, escritórios, fabricas, etc., causando assim tanto o crescimento dos preços de terras como o uso lucrável de áreas marginalizadas. Por isso Henry George no ápice da crise de 1880 identificou uma simetria entre o crescimento e prosperidade da economia e a mudança em massa de pessoas para áreas remotas e marginalizadas.

“The value of land […] expresses in exact and tangible form the right of the community in land held by an individual” (GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p.344)

A terra não dispõe naturalmente de trabalho humano ou investimento, ao contrário, ela tem tão somente uma condição indispensável da qual os homens estão permitidos a viver, construir, manufaturar as necessidades da vida e além disso, criar as sedes da civilização. Em suma, a terra dispõe naturalmente como potência passiva de oportunidade econômica, jurídica e social. É uma herança em comum a todos os homens. O landowner, como meramente aquele que tem posse do título legal da terra, não tem controle sobre o processo de valorização da terra.

Rothbard critica [erroneamente] essa posição que George tão zelosamente resguarda sobre o valor da terra, dizendo:

“Os georgistas afirmavam que, embora todo homem possa possuir os bens que ele produz ou cria, uma vez que a Natureza ou Deus criaram a própria terra, nenhum indivíduo tem o direito de assumir para si a propriedade daquela própria terra […] a opção de George pela última opção (de que a terra pertence ao mundo como um todo, e cada indivíduo possui uma parte fracionária de todo acre da terra […] na pratica é obviamente impossível que cada pessoa no mundo exerça de maneira efetiva a propriedade de sua parcela de quatro bilionésimos (se a população do mundo for, digamos, quarto bilhões) de cada pedaço da superfície da terra” (ROTHBARD, Murray. Por uma nova liberdade).

No entanto, Rothbard interpreta erroneamente as colocações sobre propriedade de Henry George. George aqui não critica por um viés comunalista a propriedade, mas em verdade, ele critica alegando que o valor criado pela terra não é algo que pertence ao proprietário do título da terra, mas algo que é uma herança de toda sociedade por ter valorizado aquele local. George afirma que não existe propriedade privada de terras? Afirma sim, mas os contextos em que ele afirma isso, é claramente para mostrar que embora tenhamos propriedade de riquezas (como a casa que construímos, as plantas que plantamos e as frutas que colhemos) não temos propriedade de fato do próprio valor da terra (no sentido estrito que George dá à terra, como já expusemos aqui), este valor pertence a sociedade, como uma herança herdada por todos participantes do progresso. E isso é algo que voltaremos a ver quando falarmos sobra taxação.

Parafrasearemos Fred Foldvary em sua resposta à essa objeção do austríaco: Propriedade é um pacote de direitos, os dois direitos básicos são: a posse exclusiva e o direito de produzir sobre a terra. Com um imposto sobre o valor da terra, o proprietário do título tem um direito de posse condicional, isto é, ele tem o direito de controlar e transferir seu título em condição de seu pagamento pelas receitas públicas. Ao contrário, um inquilino tem apenas o arrendamento do imóvel, e os direitos que tem são especificados a priori na concessão do arrendamento, sendo por fim, os direitos de transferência e controle absoluto do proprietário, do landowner. E como já vimos, um imposto sobre terras não implica em não ter direitos sobre a terra, mas de fato implica que não tem direitos sobre o aluguel da terra. Nenhum imposto implica em propriedade incompleta do que é taxado, então ao menos que se esteja livre de toda taxação, qualquer taxa paga significa que o pagante não tem inteiramente aquele item. Analogamente, na Mesopotâmia antiga, você poderia fazer o que bem entender com sua mão, entretanto, se roubar, deixaria de tê-la. Uma condicional só implica em propriedade imperfeita após a quebra da condição.

Sendo a terra algo em comum e necessário a toda produção, é também um bem comum — e não privado — de valor. Seu valor de aluguel deve ser recapturado como uma receita pública, tirando das costas de produtores e agentes privados os impostos, e deixando-os somente sobre as costas justamente o que seu valor pertence a toda comunidade, isto é, a terra. Os acres que um landowner possui, tem seu valor independentemente de estar fisicamente presente ou ausente (embora ele possa, por meio do holding especulativo, dar a sua terra um valor artificial). Se ele é um trabalhador ou empresário, ele contribui para a produção de maneira igual a outros indivíduos, e como eles merece ter a recompensa completa de seus esforços.

Alguns podem ainda se perguntar: Como sabemos o preço ou o valor de uma terra dada?
David Ricardo nos dá a Lei do Aluguel, que diz que o aluguel da terra é determinado pelo excesso de produção decorrente desta terra, sobre o que a mesma aplicação pode garantir à terra menos produtiva em uso, isto é, o valor depende no que é requerido a seus usuários a pagar para usá-la em relação a áreas marginais. Assim sendo, é estabelecido unicamente pela demanda, irrespectivo de qualidades inerentes, se uma demanda por um pedaço de terra em particular aumenta, o preço aumenta.

Há três coisas em geral que levam a um aumento na demanda pela terra: A primeira e mais importante é crescimento populacional. Um segundo fator seria o crescimento de técnicas industriais, cujo efeito é de expandir a produção de riquezas, ampliar os mercados potenciais para bens e serviços e assim valorizar os acres disponíveis. E por terceiro temos a indução artificial de valor por meio da especulação sobre terras.

6 — ESPECULAÇÃO:

Tendo em mente os conceitos apresentados, o economista das terras dá procedência ao aplicar estes conceitos como a base para as suas análises econômicas, como sua análise da especulação e dos ciclos econômicos: a análise dos ciclos imobiliários. É obvio que a causa dos ciclos econômicos é a especulação, isto é, uma fiel esperança no aumento da demanda que tende a aumentar o preço, mas a especulação em que? Há de se diferenciar a especulação em riquezas da especulação em terras.

“With the desire to consume more, there coexist the ability and willingness to produce more, industrial and commercial paralysis cannot be charged either to overproduction or to overconsumption. Manifestly, the trouble is that production and consumption cannot meet and satisfy each other.

How does this inability arise? It is evidently and by common consent the result of speculation. But of speculation in what?

Certainly not of speculation in things which are the products of labor… for the effect of speculation in such things, as is well shown in current treatises that spare me the necessity of illustration, is simply to equalize supply and demand, and to steady the interplay of production and consumption by an action analogous to that of a fly-wheel in a machine” (GEORGE, Henry. Progress and Poverty, p. 267).

George nos mostra aqui que a especulação em riquezas tem como efeito aumentar a demanda pelos produtos e desta maneira aumentar o preço destes. E é este preço aumentado que é justamente o impulso para aumentar a produção e a oferta, que por meio do aumento da oferta, acabará por fim em reduzir o preço. É um ciclo, sim, mas não é um ciclo ruim, é um ciclo estimulante na produção e na geração de riquezas.

Antes de mais nada, é importante saber que George emprega o termo aluguel num sentido bem preciso e estrito e que este aluguel tem uma natureza bem peculiar. Aluguel é o termo que designa a parte da renda da produção que é dirigida ao dono da terra, seja pelo pagamento de se usar a terra bruta do qual outro tem título, ou, o que o usuário teria que pagar caso ele mesmo quisesse ter o título da terra. Aqui já podemos perceber algo único na natureza deste aluguel, que são dois tipos de pagamentos, aparentemente indistintos. Quando pagamos pelo aluguel de um apartamento, digamos que R$500,00, estamos fazendo dois pagamentos distintos, digamos que R$ 400,00 é pago pelo uso do próprio apartamento, que é o que foi construído sobre a terra, e os 100 reais restantes, é pelo uso da própria terra bruta da qual o apartamento está sobre, o espaço dimensionalmente ocupado. É este último sozinho que Henry George tem em mente ao falar de aluguel. Se o dono da casa possui não somente o direito de usar a terra do qual sua casa foi erguida, mas possui o título da própria terra, então este homem pode poupar os R$ 500,00, já se o caso for que o homem não tem o título da terra, terá que pagar ao menos 100 reais para usar a casa erguida.

“Therefore, if speculation be the cause of these industrial depressions, it must be speculation in things not the production of labor, but yet necessary to the exertion of labor in the production of wealth — of things of fixed quantity; that is to say, it must be speculation in land” (GEORGE, Henry. Progress and Poverty, p. 267–68).

Como pode então a especulação na terra causar depressões industriais? Ora, qualquer obra de fins públicos e sociais aumenta o valor da terra, desde evoluções tecnológicas e cientificas, a construção de estradas, ferrovias, aeroportos, portos, investimentos federais, estaduais e locais em infraestrutura, educação, saúde, livrarias e
tudo o mais imaginável, tudo isso, agrega valor à terra. Mas por que aumenta? George nos explica:

“…that there is a connection between the rapid construction of railroads and industrial depression, anyone who understands what increased land values mean, and who has noticed the effect which the construction of railroads has upon land speculation, can easily see. Wherever a railroad was built or projected, lands sprang up in value under the influence of speculation, and thousands of millions of dollars were added to the nominal values which capital and labor were asked to pay outright, or to pay in installments, as the price of being allowed to go to work and produce wealth. The inevitable result was to check production.” (GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p.275).

A especulação em terras é bastante similar à especulação em riquezas: aumenta a demanda pela terra e por conseguinte acaba por aumentar seu preço. No entanto, ao contrário da especulação em produtos, a oferta da terra é fixa, com terras tendo seu preço para além do que a mão de obra e o capital podem [de forma lucrável] se engajar na produção. Em suma, é um aumento artificial na escassez da terra que acaba por esgotar a produção, não conseguindo suprir a demanda.

For the value that with the increase of population and social advance attaches to land being suffered to go to individuals who have secured ownership of the land, it prompts to a forestalling of and speculation in land wherever there is any prospect of advancing population or of coming improvement, thus producing an artificial scarcity of the natural elements of life and labor, and a strangulation of production that shows itself in recurring spasms of industrial depression as disastrous to the world as destructive wars.” (GEORGE, Henry. Carta ao Papa Leão XIII)

“Given a progressive community, in wich population is increasing and one improvement succeds another […] land must constantly increase in value. This steady increase naturally leads to speculation in which future increase is antecipated, and land values are carried beyond the point at which, under the existing conditions of productions, their accustomed returns would be left to labor and capital. Production, therefore, begins to stop […] owing to the failure of new increments of labor and capital to find employment at the accustomed rate“ (GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p.264)

Resumindo, a prática de especulação em terras serve não só para dividir a renda da produção em três, como vimos anteriormente, mas também para descontar nos méritos da produção futura. A especulação só aumenta o valor do aluguel, asfixiando cada vez mais a produção e, como decorrência necessária, uma hora a produção será inlucrável e terá de parar, fazendo com que funcionários não tenham renda, não tendo renda se
diminui o consumo, diminuindo mais ainda o lucro das empresas. O único resultado possível do acarretamento de todo esse entrave é uma crise.

7 — A TAXAÇÃO:

No campo da taxação Henry George também percebeu a diferença entre riqueza e terra, essas que se diferem pela natureza quantitativa da riqueza e da terra. A terra tem quantidade fixa e a riqueza tem quantidade indefinida. Para determinar o incidente da taxação, George precisou saber o que estava sendo taxado, se são os produtos ou o valor da terra.

“…all taxes upon things of unfixed quantity increase prices, and in the course of exchange are shifted from seller to buyer, increasing as they go […] If we impose a tax upon buildings, the users of buildings must finally pay it, for the erection of buildings will cease until building rents become high enough to pay the regular profit and the tax besides […] In this way all taxes which add to prices are shifted from hand to hand, increasing as they go, until they ultimately rest upon consumers, who thus pay much more than is received by the government. Now, the way taxes raise prices [in wealth] is by increasing the cost of production, and checking supply. But land is not a thing of human production, and taxes upon land value cannot check supply. Therefore, though a tax on land value compels the land owners to pay more, it gives them no power to obtain more for the use of their land, as it in no way tends to reduce the supply of land. On the contrary, by compelling those who hold land on speculation to sell or let for what they can get, a tax on land values tends to increase the competition between owners, and thus to reduce the price of land” (GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p. 415–16).

Portanto, a taxação sobre produtos acaba por aumentar o preço final diminuindo a competição, enquanto a taxação sobre o valor da terra diminui o preço, aumentando a competição.

“The present method of taxation operates upon exchange like artificial deserts and mountains; it costs more to get goods through a custom house than it does to carry them around the world. It operates upon energy, and industry, and skill, and thrift, like a fine upon those qualities. If I have worked harder and built myself a good house while you have been contented to live in a hovel, the taxgatherer now comes annually to make me pay a penalty for my energy and industry, by taxing me more than you. If I have saved while you wasted, I am mulct, while you are exempt. If a man build a ship we make him pay for his temerity, as though he had done an injury to the State; if a railroad be opened, down comes the taxcollector upon it, as though it were a public nuisance; if a manufactory be erected we levy upon it an annual sum which would go far toward making a handsome profit. We say we want capital, but if anyone accumulate it, or bring it among us, we charge him for it as though we were giving him a privilege. We punish with a tax the man who covers barren fields with ripening grain, we fine him who puts up machinery, and him who drains a swamp. How heavily these taxes burden production only those realize who have attempted to follow our system of taxation through its ramifications, for, as I have before said, the heaviest part of taxation is that which falls in increased prices” GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p. 434).

A taxação sobre riqueza é algo que paralisa o mercado e é negativo para ele em todos os sentidos. Só contribui para a diminuição da competição e criação de monopólios, e é por esta mesma contribuição danoso ao mercado.

“It is sufficiently evident that with regard to production, the tax upon the value of land is the best tax that can be imposed. Tax manufactures, and the effect is to check manufacturing; tax improvements, and the effect is to lessen improvement; tax commerce, and the effect is to prevent exchange; tax capital, and the effect is to drive it away. But the whole value of land may be taken in taxation, and the only effect will be to stimulate industry, to open new opportunities to capital, and to increase the production of wealth” (GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p.414).

For this simple device of placing all taxes on the value of land would be in effect putting up the land at auction to whosoever would pay the highest rent to the state. The demand for land fixes its value, and hence, if taxes were placed so as very nearly to consume of that value, the man who wished to hold land without using it would have to pay very nearly what it would be worth to anyone who wanted to use it.
And it must be remembered that this would apply, not merely to agricultural land, but to all land. Mineral land would be thrown open to use, just as agricultural land; and in the heart of a city no one could afford to keep land from its most profitable use, or on the outskirts to demand more for it than the use to which it could at the time be put would warrant. Everywhere that land had attained a value, taxation, instead of operating, as now, as a fine upon improvement, would operate to force improvement (GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p. 437).

De forma mais curta, o pensamento “how and why” de Henry George sobre reforma fiscal é de que: A especulação em riquezas em geral é sempre produtiva e gera um ciclo que atende a si mesmo, isto é, gera uma certa demanda que pode e será atendida, pois riquezas podem ser produzidas de maneira indefinida, assim aumentando a oferta e diminuindo o preço anteriormente alto em razão da alta demanda. A especulação em
terras assim como a em riqueza, gera demanda, entretanto, não há como suprir essa demanda, pois as terras possuem um número fixo, sendo o valor gerado pela demanda da especulação nada mais que um preço nominal e artificialmente supervalorizado, portanto, impossível de se atender a demanda criada. O trabalhador e o empresário contribuem para a produção, o landowner não contribui em nada, nada mais justo que recompensar cada um de acordo com sua contribuição, não? O único imposto que não penalizaria o esforço individual seria o imposta sobre terras.

O remédio que George propôs-nos para acabar com a pobreza, nada mais é que a mudança de toda taxação sobre produtos do trabalho e do capital para o produto socialmente criado do valor da terra. Assim ele nos diz:

“I do not propose either to purchase or to confiscate private property in land. The first would be unjust; the second, needless. Let the individuals who now hold it still retain, if they want to, possession of what they are pleased to call their land. Let them continue to call it their land. Let them buy and sell, and bequeath and devise it […] it is not necessary to confiscate land, it is only necessary to confiscate rent” (GEORGE, Henry. Progress and Poverty. p.405)

Ao invés de — como alguns defendem — confiscar a terra e redistribuir, ou confiscar os meios de produção, ou nacionalizar o mercado, ou acabar com o Estado; procuramos não uma solução para um problema existente, em verdade procuramos destruir o mal pela raiz, impedindo sua gênese. O valor do aluguel deve ser recapturado como uma receita pública, tirando das costas de produtores e agentes privados os impostos, e deixando-os somente sobre as costas justamente o que seu valor pertence a toda comunidade, isto é, a terra.

Hayek em sua obra de 500 páginas, A Constituição da Liberdade, dedica um parágrafo para criticar a single-tax. Ele parece ter se confundido muito em sua crítica, de forma parecida com Rothbard, ele diz:

“There still exist some organized groups who contend that all these dificulties could be solved by the adoption of the ‘single-tax’ plan, that is, by transferring the ownership of all land to the community and merely leasing it at rents determined by the market to private developers. This scheme for the socialization of land is, in its logic, probably the most seductive and plausible of all socialist schemes. If the factual assumptions on which it is based were correct, i.e., if it were possible to distinguish clearly between the value of ‘the permanent and indestructible powers of the soil,’ on the one hand, and, on the other,
the value due to the two diferente kinds of improvements — that due to communal efforts and that due to the efforts of the individual owner — the argument for its adoption would be very strong. Almost all the dificulties we have mentioned, however, stem from the fact that no such distinction can be drawn with any degree of certainty.” (HAYEK, Friedrich; Constitution of Liberty. p.352)

A definição de “single tax plan” não é o plano de single-tax absolutamente, mas é o “plano B” de George, sobre socializar a terra e alugando-a enquanto se diminui proporcionalmente os impostos. Mas Henry George preferiu a opção que deixaria os títulos e propriedade completos nas mãos dos proprietários, enquanto se socializa o valor da terra. E a crítica de que o landowner pode aumentar o valor da terra, é de se ignorar, pois os improvements feitos por ele, poderiam ser feitos por qualquer outro independente de ser landowner da terra ou não, além de que esses improvements no tempo acarretariam numa indistinguibilidade física entre a terra e o improvement.
Ademais, alguns georgistas até adotam o valor não-intencional hayekiano para os frameworks de valoração de terras.

8 — OS CÂNONES DA TAXAÇÃO:

Os cânones fiscais são quatro: 1) que o imposto seja o mais leve o possível para a produção; 2) que seja de coleta simples e sem custos elevados; 3) que seja certeiro em sua incidência e 4) que seja cobrado igualmente sobre todos.

Quanto ao primeiro: Não só não atrapalha a produção, como não permite que a produção seja atrapalhada. Como o valor da terra é um reflexo do progresso, nem aumenta nem diminui em si mesma a taxa da produção. Consequentemente, como um imposto sobre terras não pode ser sonegado e deve ser absorvida pelo detentor da terra (já que é condicional e oferece infinitas possibilidades) ela pode ser imposta logo no ponto de retorno anual do aluguel, sem penalizar salários e lucros. Desta forma, a imposição de impostos seria de tal forma que seus efeitos criarão oportunidades para empresas produtoras, que por meio da land tax, terão acesso a terras antes super-valorizadas pelos landowners. Como terá pequenos lucros por meio de especulação de terras (os lucros dos landowners se baseará num “pagamento” do governo que os proprietários de terras receberão por reter o título de suas terras, e em troca de seus serviços de coleta, seja dada uma porcentagem de aluguel que provavelmente seria menor do que o custo e a perda envolvidos na tentativa de alugar terras através da agência do Estado.), construtores de casas e homens de negócios não precisarão injetar milhões para ter uma terra para morar ou trabalhar, ao mesmo passo que, terão sua propriedade segurada pelo pagamento da taxa anual. Assim fazendo a iniciativa privada ter mais liberdade para escolher um local que mais se assemelha a sua demanda, ao invés de estar preso a algumas terras lucráveis que o landowner segurava para si.

Quanto ao segundo: A facilidade e o baixo custo da coleta e assimilação serão facilmente assegurados. Como a avaliação de terras e coleta de taxas já é algo incluído em todo sistema fiscal, não será tão difícil coletar toda a receita da terra, ao invés de só uma porção (como é hoje em dia), além do mais, como outras agências

Quanto ao terceiro: A certeza de sua coleta vem justamente do caráter único que a terra possui. Tributações periódicas serão baseadas no valor do aluguel bruto (aquele que se trata somente do espaço dimensional potencial para a ação) de cada sítio, e a taxa será coletada do proprietário registrado (ou se é de uma comunidade, será coletada do locatário). A terra não pode ser sujeita de alguma fraude, ela terá de ser paga algum momento por alguém.

Quanto a quarta: Essa só pode ser garantida para o valor da terra. Todos outros impostos são desiguais, mesmo quando são de valores iguais, são desiguais de acordo com a contribuição de cada um. A terra é a única que é contribuída igualmente por cada um que participa de uma comunidade.

Notas:
1 Riquezas não está no plural sem motivo, mas justamente por sua produção poder se estender indefinidamente.

2 “Landowner”, traduzido literalmente, fica “proprietário de terra”. Porém, em seguida usamos a palavra “proprietário”, portanto é necessário esclarecer que landowner está sendo usado no sentido daquele que detém o título meramente nominal da terra, não necessariamente aquele que a utiliza.

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Pablo Canovas

Cristão. Amante da filosofía kantiana, escolástica e analítica.